Gilberto Gil em Fortaleza: "Tempo Rei" e o Impacto Cultural de uma Despedida Histórica

Fortaleza testemunhou, no último domingo, 16 de junho, o epílogo da marcante turnê "Tempo Rei" de Gilberto Gil na capital cearense. Iniciada em março, a série de apresentações culminou em duas noites consecutivas que lotaram o Centro de Formação Olímpica (CFO), no bairro Castelão, solidificando a profunda conexão do artista com o público local e o cenário cultural do Nordeste.

A passagem do renomado músico brasileiro pela cidade não foi apenas um evento, mas uma celebração da longevidade artística e da relevância contínua de um dos maiores expoentes da cultura nacional. Os espetáculos transcenderam a mera performance musical, configurando-se como uma experiência coletiva que ecoou a trajetória de mais de seis décadas do artista.

"Tempo Rei": A Jornada Musical e Seu Significado Profundo

Batizada em homenagem a uma de suas composições icônicas, lançada no álbum "Raça Humana" de 1984, a turnê "Tempo Rei" é um testemunho da capacidade de Gilberto Gil de revisitar e ressignificar sua obra. Com previsão de encerramento apenas em 28 de março de 2026, na cidade de São Paulo, o projeto é uma ambiciosa despedida dos palcos, pontuando cada apresentação com a sabedoria acumulada de uma vida dedicada à arte.

Cada concerto, estendendo-se por mais de duas horas, é uma imersão na diversidade rítmica e lírica do artista. Gilberto Gil é acompanhado por uma banda composta por colaboradores de longa data e membros de sua própria família, o que confere às performances uma intimidade e uma coesão artística singulares. Entre os talentos que o acompanham, destaca-se o cantor e instrumentista Mestrinho, agraciado com o Grammy Latino 2025 de Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Sua virtuosidade foi evidenciada em um solo de sanfona na canção "Eu só quero um xodó", um momento de pura celebração da musicalidade brasileira.

A Experiência do Público e a Comunhão Geracional

A primeira noite, sábado, 15, reuniu uma impressionante audiência de 11 mil pessoas, conforme dados divulgados pela assessoria de imprensa. Apesar da euforia, a massa de espectadores enfrentou desafios significativos, como o calor intenso e as dificuldades de locomoção dentro do complexo esportivo, elementos que testaram a resiliência dos presentes.

Contudo, a segunda apresentação, no domingo, embora igualmente lotada, permitiu ao público uma experiência mais fluida, superando parte dos impasses da noite anterior, mesmo com a persistência do calor. A emoção era palpável, e a fala de Gilberto Gil nos momentos iniciais do show de domingo resumiu a profunda ligação com a cidade:

"Obrigado, Fortaleza. Tantos anos indo a tantos lugares e vindo aqui. Já estive com os pais de vocês, com os avós. E, agora, com vocês"

. Essa declaração sublinhou a natureza multigeneracional do público, que incluiu famílias inteiras, amigos de diversas idades, idosos, jovens e crianças, todos unidos pela música do mestre.

Repertório, Memória e Posicionamento Político

O repertório da turnê é cuidadosamente estruturado em blocos temáticos, que percorrem cronologicamente a vasta carreira de Gil. Um dos momentos mais impactantes e politicamente carregados ocorreu durante a execução de "Cálice". O público cearense, em um coro espontâneo, entoou o grito de "sem anistia", enquanto imagens de vítimas da ditadura militar, como Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Stuart Angel Jones, eram projetadas nos telões. Esse potente tributo à memória e à justiça, acompanhado por palmas rítmicas, reverberou em ambas as noites na capital, demonstrando a inabalável conexão entre a arte de Gil e a consciência social e política de seu público.

Conexões Locais: Ednardo e Waldonys Brilham no Palco

As participações especiais são um dos pontos altos da turnê "Tempo Rei", e Fortaleza não foi exceção. No sábado, 15, Gilberto Gil convidou o renomado cantor e compositor cearense Ednardo, figura emblemática do movimento Massafeira Livre. Juntos, os artistas brindaram a plateia com uma emocionante interpretação de "Andar com Fé", unindo gerações e tradições musicais.

No domingo, o palco recebeu o talentoso sanfoneiro Waldonys, que se juntou a Gil para uma performance vibrante de "Esperando na Janela", uma canção que ressoa profundamente com a identidade musical nordestina. A presença desses artistas locais enriqueceu ainda mais os espetáculos, solidificando a ponte entre o legado de Gil e a rica cena cultural cearense.

A passagem de Gilberto Gil por Fortaleza com a turnê "Tempo Rei" foi um evento de grande significado cultural e social. Mais do que uma série de shows, foi um reencontro com a história, um manifesto político sutil, porém potente, e uma celebração da vida e da arte. A capital cearense, mais uma vez, confirmou seu papel como um palco vital para a música brasileira, e a memória desses concertos certamente permanecerá viva na memória coletiva por muito tempo.

Abaixo, um resumo das apresentações:

Data	Local	Público Estimado	Convidado Especial	Destaque Musical
Sábado, 15 de junho	CFO, Castelão	11.000 pessoas	Ednardo	"Andar com Fé"
Domingo, 16 de junho	CFO, Castelão	Casa cheia	Waldonys	"Esperando na Janela"